HERANÇA
Janecleide D’ávila-(24-09-2015)
O toucador, o chuveiro
A pia, a churrasqueira
Os lençóis, os travesseiros
O piso, o desbotado da cerâmica e os teus pés que a mancharam
O vídeo game, o sofá e seus dedos pra lá e pra cá
No tilintar da tecnologia
A mulher passando em frente a TV, pra te ver
O quintal, extensão da casa
Os escorpiões também são extensão
As caixas d’água, uma encima, outra embaixo
E o tim tim tim dos pingos que caem
As crianças adormeceram sem um beijo de boa noite, porque o mais novo dá mais trabalho
A menina de olhos apertados, que pede um abraço diferente, sempre apanha
Digo manha, digo doença, diga ainda carência, mas sei que é saudade
A garagem, o carro que ronca
A moto que conduz
O bebê de três meses tão calado, que até parece ter se acostumado com o silêncio de seu lar
Mas, de repente, o dia amanhece, e o sol invade a única janela da casa
Teima em acordar os quatro moradores.
Empurra a poltrona que protege a menina, encostada na cama, como um dique que salva a cidade das torrentes, ninguém aqui gosta de cheia!
O café Santa Clara, mais preto, impossível, convida mais uma vez a despertar
E tudo toma seu lugar, as coisinhas encostadas na parede, as crianças encostadas na parede, os adultos encostados uns nos outros
Tudo que temos está aqui dentro!
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