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Mente traiçoeira.

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Às vezes, basta uma reação desfavorável para consumar uma tragédia.

Na madrugada do dia 31 de Outubro, coincidentemente dia das Bruxas, Adalberto, homem pacato, sujeito do bem - não que ele seja covarde, mas nunca foi de se meter em brigas, dar socos, levar porrada -, dormia sozinho num dos quartos da casa. Acordou e, no meio da escuridão, ouviu um som esquisito, algo muito estranho, deveras incomum e que o assustou de verdade. O barulho vinha da parte dos fundos do seu terreno. Convencido de que havia um ladrão do lado de fora, no seu quintal, Adalberto teve medo, e gelou. Essa reação inesperada estimulou a sua mente criminosa que, daí em diante, agravou a sua condição periclitante. - E agora! exclamou, de si para consigo mesmo, enquanto imaginava um homem maior e mais alto do que si próprio prestes a invadir a casa, como me defender numa hora como essa? interrogou-se apreensivo. Estava ciente de que não possuía uma arma de fogo para intimidar seja lá quem for, todavia decidiu descobrir quem era o bandido, queria saber se, por acaso era alguém conhecido na vizinhança. Determinado respirou fundo, encheu-se de coragem e deslizou covardemente da cama para o chão em silêncio. Não acendeu a lâmpada do quarto, porque julgou que o crápula poderia estar armado e ficaria fácil, para ele, alvejá-lo através da janela de vidro. No assoalho, saiu engatinhando na direção do basculante, na copa, e parou a poucos passos de distância. Sem saber como agir permaneceu de quatro, parado, vergonhosamente subjugado esperando ouvir novamente o ruído estranho. A noite sem a Lua era negra feito breu, impossível de se ver qualquer coisa que houvesse do lado de fora nos fundos da casa. O silencio cavernoso angustiava, os pensamentos se confundiam uns com os outros. "Será que o safado está aqui achegado da porta esperando uma oportunidade para tentar entrar?" Ao lhe ocorrer essa possibilidade sofreu uma taquicardia, seu coração disparou, pés e mãos ficaram colados ao chão, perdeu completamente as forças e não conseguiu mover um músculo sequer. Sem entrar em pânico avaliou a situação e arrependeu-se de não se precaver. Há muito que já deveria ter comprado uma arma para afugentar um bandido e resguardar a família, admoestou-se; um bastão de beisebol já me socorreria, imaginou. - Onde estará a vassoura? indagou, raciocinando. Ah, o facão da cozinha! lembrou-se; aquela lâmina é quase do tamanho de uma espada Samurai, considerou, olhando ao redor. Apesar de parecer-lhe uma boa arma de defesa, deduziu que faria barulho ter que procura-lo no escuro justo neste momento, não fazia ideia onde ele pudesse estar guardado. As batidas de seu coração diminuíram de intensidade, com esforço levantou do solo a mão direita e esticou o braço, a perna direita acompanhou o movimento; depois foi a outra mão e o braço seguido da perna esquerda. Recuperou suas forças, repetiu os movimentos, aproximou-se mais do basculante, vagarosamente, e, bem ao lado no canto da parede, encontrou um par de sandálias havaianas abandonados que sem titubear com ele calçou as mãos. Pronto, agora se sentia mais confiante. Ainda que tenha ficado aflito com o ruído tétrico que lhe chegou aos ouvidos novamente, pela altura do som foi capaz de perceber que o meliante no quintal estava longe da porta e próximo da garagem, nos fundos do terreno. Adalberto encheu-se de valentia e, com a voz empostada, gritou: QUEM TAÍ? E esperou. O som ecoou dentro de casa, mais forte na copa e na cozinha, porém nada aconteceu. Coincidência ou não um vizinho acendeu uma luz. Equipado com o par de sandálias, uma em cada mão, Adalberto elevou o corpo a meia altura - as pernas levemente dobradas, a coluna reta, as mãos apoiadas no joelho, o pescoço na vertical e a testa colada na parte móvel inferior da janela - para ver fora através da fresta no basculante aberto. Nada. Ninguém que ele pudesse enxergar. Tudo que conseguiu distinguir com clareza foram os galhos do pé de cajá que balançavam com o vento e folhas que caiam. Será que o larápio correu, quando a lâmpada acendeu? perguntou, de si para consigo mesmo. Não, eu teria percebido, calculou. Inteiramente dono de si ficou de pé. A luz acesa na casa do vizinho não era suficiente para iluminar bem o seu terraço, a penumbra era muito fraca. No entanto, deu para identificar o vulto de uma folha de jornal bailar no ar, cair, ser arrastada pelo vento sobre o chão de concreto e, ao mesmo tempo, fazer aquele barulho sinistro.

Pronto!

Caiu-lhe a ficha. A distensão automática arrancou-lhe um sorriso de alívio.

- A-go-ra-vê, ele disse, já relaxado, acentuando cada uma das sílabas das duas palavras, e continuou dialogando sozinho: - quase me caguei todo por causa de uma simples folha de jornal, como foi possível? E por pouco não morri! Como foi que eu cheguei a isso?

- Felizmente dentro de casa ninguém acordou com o grito que eu dei, cogitou solitário, seria uma vergonha ter que dar explicação, arrematou aperreado.

Desse momento em diante, passou a achar engraçado o receio injustificado perante aquela folha de jornal, atirou com desprezo o par de sandálias de volta ao canto da parede, conferiu a hora no relógio digital, 3h15 da manhã, voltou para o quarto e deitou-se novamente; por breve lapso ainda matutou sobre o evento indecoroso, mas, querendo esquecer o vacilo vergonhoso, não tardou e caiu no sono.

Adalberto, amigos, sobreviveu e continua vivo.

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Dilucas ESCRITO POR Dilucas Autor
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