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ENTREVISTA CONCEDIDA AO FOLCLORISTA JOÃO LEMOS, SOBRE A ORIGEM DA TAIEIRA DA CIDADE DE SÃO MIGUEL DOS CAMPOS - ALAGOAS

• Atualizado

"Bahia oi, Bahia oi,

Bahia é terra de São Salvador!

Bahia oi, Bahia oi,

Bahia é terra de Senhor do Bomfim!"

"Africanas da Bahia,

Todas gostam de mexer,

Passa a noite no gingado,

Na mesa do Cangerê". (Trechos da música da Taieira, cantada pela Mestra Ana Paula).

Não tem como não se arrepiar ao ouvir a batida ancestral dos tambores, cada canto carrega consigo a magia e o esplendor dos povos que aqui chegaram da Costa Africana. Entre a batida e o remelexo das figuras a Taieira nos mostra com muito realismo a beleza da cultura tão antiga sempre nova dos povos africanos. O ritmo cadenciado, alegre e espontâneo nos evoca o que temos de mais puro presente no nosso sangue, o canto nos encanta e nos transporta para um universo totalmente desenhado e escrito pelas danças dramáticas do Brasil. Como diz o trecho acima de umas das louvações da Taieira, Bahia é o centro do universo africano em nosso País, as músicas sempre louvam a terra que assim acolheu todos os povos, dali surgiu à base da música, da dança e do jeito mais autêntico de ser brasileiro, nossa gratidão será eterna aos que aqui mesmo sendo escravizados nos legaram um rosto ricamente ornado com uma das mais belas expressões culturais do planeta.

Foi Francisco Calmon em seu livro intitulado, Relação das Faustíssimas Festas que faz o primeiro registro a respeito do Folguedo, ele nos diz que um grupo de Taieiras em 1760 na então "Vila de Nossa Senhora da Purificação e Santo Amaro, na Bahia, se apresentou por ocasião de uma festa de casamento de nobres", outro importante registro é feito pelo sergipano natural do município de Lagarto Silvio Romero, primeiro verso de breve descrição das Taieiras. De acordo com o escritor Ernande Bezerra a Taieira é uma dança de cortejo, de cunho religioso e de origem africana, cujos participantes entoam cantigas religiosas e populares, dançando e tocando instrumentos de percussão. Eles acompanham a festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e de São Benedito, santos padroeiros dos negros. O Folguedo se inclui entre os Reinados onde estão também os Congos, Congadas e o Maracatu.

O grupo inicialmente formava um cortejo em direção às igrejas com o intuito de louvar Nossa Senhora do Rosário e o Glorioso São Benedito, além daquele santo que estivesse sendo festejado, dali seguiam os cortejos da comunidade religiosa com cantos, danças e coreografias das mais interessantes. Isso com o tempo foram mudando e recebendo novas influências, apesar das mudanças naturais da história o grupo mantém duas filas com diversas baianas, boneca, rei, rainha, escravos e dançam ao som de tambor, ganzá.

Em Alagoas diferente dos Maracatus e das Baianas que chegaram pelo norte do Estado, o folguedo migrou pelo sul vindo dos estados de Sergipe e Bahia, Carmen Lúcia Dantas nos informa que no séc. XIX a "brincadeira era praticada em localidades como Anadia, Marechal Deodoro, Penedo e Viçosa, oscilando entre períodos de efervescência e de inatividade".

A única Taieira em atividade no Estado está localizada em São Miguel dos Campos, com as informações do escritor Ernande Bezerra a Taieira do município nasceu da devoção de Virgílio da Rocha Vieira, filho de uma escrava com o Barão de São Miguel. O Barão nas suas andanças pelo Nordeste Brasileiro em companhia do filho encontrou em Laranjeiras, cidade do interior sergipano, uma dança folclórica, chamada de Taieira, este folguedo popular chamou muito atenção do Barão e o deixou muito alucinado. Virgílio, filho do Barão, foi quem teve a incumbência de trazer em sua bagagem essa tradição popular de Laranjeiras pra cidade de São Miguel dos Campos, não se precisa muito estudo pra saber que toda a manifestação presente em Sergipe descende do vizinho estado da Bahia. A Taieira de São Miguel sofreu algumas modificações, foram acrescentados outros personagens, tais como: Mateu, Caterine e Mãe Criola.

O escritor Ernande Bezerra também nos revela que o primeiro Mestre da Taieira Miguelense foi Jacinto Mendonça, sogro de Virgílio, o verdadeiro mentor dessa manifestação popular no município. A partir de 1982 o grupo passou a ser liderado por sua filha Albertina Andrade de Mendonça mais conhecida como Mestra Nair da Bertina, como tantos outros folguedos a brincadeira é passada de pai pra filho com as Taieiras não poderia ser diferente, Nair da Rocha Vieira, filha da Mestra foi considerada por Théo Brandão como à Mestra oficial das Taieiras em Alagoas foi quem deu continuidade ao folguedo. A Taieira já foi perpetuada por mestras, como, Maria da Conceição Vanderley e Josse Lenh, hoje o grupo é comandado pela Mestra Ana Paula Rocha Lins, ela que é a responsável pelo destino dessa manifestação popular.

"Graças a Prefeitura Municipal de São Miguel que deu a oportunidade para eu dar continuidade à brincadeira, hoje nós temos um grupo no Crás da Rua da Bica, outro na Escola Desembargador e mais um com as crianças do Centro de Convivência. São grupos de todas as idades e isso me anima a não desistir de fazer as Taieiras em São Miguel", destacou.

Com Três grupos em atividades das mais diferentes idades, a Taieira Nair da Bertina mantém um dos folguedos mais antigos em atividade no Estado. Desde os 10 anos a Mestra Ana Paula vem formando sua identidade cultural baseada no Folguedo, não é atoa que ela é a atual descendente da brincadeira no município. "Eu tenho amor a essa brincadeira, descobri o folclore através da Profª Maria da Conceição Calheiros Wanderley, foi ali que começou a minha vida artística, aos 10 anos eu já estava brincando Taieira no antigo Centro Social Urbano, hoje sou Mestra e luto para não deixar acabar", disse Ana Paula de 43 anos.

Como em todo folguedo popular a grande crise do momento é a falta da participação ativa dos jovens da comunidade, quem brincou na juventude, hoje é quem reforça a brincadeira no grupo formado pelas idosas do Crás da Rua da Bica e a ausência de jovens preocupa a continuidade da Taieira e a Mestra Ana Paula faz um apelo, "Com as idosas eu tive sorte, agora sentimos falta da presença da juventude, as Taieiras são muito importantes para a cultura de São Miguel e de Alagoas e precisamos que todos valorizem, que a juventude chegue mais junto, se dediquem e deem o devido respeito a nossa Cultura".

Já com uma história centenária protegida por Nossa Senhora do Rosário e o Glorioso São Benedito o folguedo descendente de Sergipe faz mostrar com todo o esplendor a maneira mais gostosa do nosso povo expressar suas danças e tradições. São Miguel dos Campos reluz no horizonte cultural por ser o único município que mantém as taieiras em prefeita atividade.

Obs: Entrevista concedida no dia 25 de janeiro de 2020, na Casa da Cultura.

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Ernande Bezerra ESCRITO POR Ernande Bezerra Escritor
São Miguel dos Campos - AL

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