Cinzas
Nos momentos em que está sozinha, nem mesmo nesses momentos ela sabe com certeza quem é. Nunca soube. Sente que suas opiniões e impressões sobre o mundo não lhe pertencem, não se acha capaz de pensamentos profundos e segue a vida julgando-se uma cópia superficial de tudo e de todos. Toma mais um café enquanto olha os azulejos brancos da cozinha e sabe que o confinamento não é para ela, não sabe viver sem os outros. Mas as cinzas da solidão denunciam o abandono no cinzeiro ali, bem ao lado do rasgo da toalha de mesa florida. Nenhuma das pontas de cigarro está marcada de vermelho e o pijama é a moda deselegante dos últimos meses. Cruza as pernas e deixa cair a pantufa de um dos pés. Observa o maço de cigarros vazio ao lado do seu isqueiro pink. Uma chamada de vídeo toca no celular. Arruma os cabelos e ensaia um sorriso engessado no canto da boca. Ainda está viva e o uso da máscara sempre foi obrigatório!
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