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UM INSTANTE DE INSTINTO - Tchello d'Barros

UM INSTANTE DE INSTINTO
Tchello d’Barros

“Não, senhores repórteres, nada mais tenho a declarar. Como delegado incumbido desse caso, apenas quero registrar aqui meu espanto, por um crime tão violento e aparentemente sem motivos. O apenado, pelo que pudemos apurar, era um cidadão tranqüilo, honesto e trabalhador. Consta nesta ficha que não tinha vícios, pagava suas contas e impostos em dia e era considerado bom vizinho no condomínio. O único registro que temos de ocorrência em seu nome foi quando ele mesmo há alguns anos entrou em contato com nosso plantão, solicitando uma viatura urgente, pois havia acontecido um estupro num beco próximo de uma praça de seu bairro. Até agora não entendi o que levaria um cara normal assim, a estrangular o psicanalista e em seguida estuprar a secretária, em pleno consultório. Putz! Vá entender a natureza humana!”

“Bem, ele já trabalhava há alguns anos aqui no banco, deixe ver, creio que há uns nove anos talvez, mas nunca notamos nenhum sinal de agressividade ou outro comportamento suspeito. Até que era um cara legal, participava dos bolões da loteria, comprava rifas e até participava da tradicional “vaquinha”, quando alguém fazia aniversário. É verdade que era meio quietão e não participava das excursões turísticas que volta-e-meia a turma aqui do banco programava. Mas olha, ficamos todos aqui estarrecidos com essa notícia, um cara tão calmo...”

"Não sei, é difícil dizer com certeza, a gente nunca sabe quem está por detrás de um comportamento do tipo normal, como ele. Sabe, aqui no prédio ele nunca deu problema, não. Como síndico, eu até admirava ele, pois sempre colaborava quando tinha algum problema no edifício. É, a verdade é que nunca recebia visitas. Nem amigos, nem namoradas, nada. Puxa, como é que um cara assim pacato pode cair numa desgraça dessas...”

"Ah, ele era meio paradão, meio esquisito, ficava sempre na dele. Estudamos três anos juntos na faculdade e ele, sempre reservado. Não paquerava as colegas nem participava das turminhas que se formavam. Eu até dei em cima dele uma vez, sabe, pois até que não era feio, mas ele nem me deu bola. Só tirava notas boas, é verdade, mas não se enturmava com a galera”.

“Olha, aqui na biblioteca ele sempre aparecia, veja aqui na ficha, pegava sempre esses livros de auto-ajuda, especialmente os de poder da mente, hipnotismo, essas coisas. Nunca atrasou nas devoluções e era sempre muito educado com as meninas daqui. O último livro que levou era sobre essas coisas de inconsciente e desejos reprimidos, mas esse não foi devolvido. É, pensando bem, acho que era um cara meio reprimido, meio solitário, sei lá. Mesmo assim, ficamos todos tristes aqui com o acontecido. Se acho que mereceu prisão perpétua? Ah, sei lá, deixar um cara desse solto por aí, é meio brabo, né!"

"Infelizmente a moça ainda está bastante abalada, recuperando-se do estado de choque e não está em condições de dar entrevista, vocês me desculpem. Como ginecologista, conversei muito com ela, durante o acompanhamento psicológico pós-estupro e posso apenas comentar que ela própria ainda não entendeu nada. Me disse que ele já tinha feito várias consultas, sessões de relaxamento e agora o doutor estava para iniciar uma terapia com hipnose, frases de efeito e regressão. Algo em torno do poder das palavras, para liberar os instintos, pois parecia que o sujeito era meio tenso ou algo assim. Pobre moça, tão simpática”.
"Olha, sei pouca coisa do caso, estou começando hoje aqui, substituindo a outra moça, que parece, foi violentada por um cliente. O pouco que sei vi no jornal. Não posso conversar muito, preciso desse emprego, viu? Não sei se ajuda, mas arrumando a bagunça que ficou isso aqui por causa do crime, encontrei o gravadorzinho que o psicanalista usava para registrar as sessões. Parece que nem o delegado viu isso. Até que tinha uma mensagem bonita, que o terapeuta dizia enquanto o cara estava deitado no divã, ouça como é bonitinho:

“Agora feche os olhos e respire fundo, relaxe seu corpo, sua mente e sua alma. Esqueça as tensões e os problemas do mundo, descanse no sono, que seu corpo se acalma. Cabeça, tronco e membros já em sintonia, siga respirando sentindo a dormência. O corpo e espírito estão em harmonia, seu instinto vai vibrando nesta freqüência. Mergulhe em si cada vez mais para dentro, encontre as profundezas em seu interior. E abra-se sem medo de culpa ou tormento, solte vontades, desejos e sua dor. Venha à tona seu âmago neste momento, liberte todo seu eu sem medo ou temor.”
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Comentários

Severino Ramos Barbosa
Severino Ramos Barbosa

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Valci Melo
Valci Melo

Olá Severino! Registrei, sim, O sonho da conversão, tanto na Agência Nacional do ISBN como no setor de Registro ou Averbação da Biblioteca Nacional. Maiores informações, disponha! Um abraço! Valci Melo