INTERTEXTUALIDADES - Tchello d'Barros
INTERTEXTUALIDADES
Tchello d’Barros
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Sebos são lugares onde se comercializam livros usados. Isso todo mundo sabe. O que muitos talvez não saibam é que tais lojas recebem os visitantes mais ecléticos, formando uma galeria de personagens tão ou mais interessantes que os que povoam os livros nas estantes. São intelectuais em busca de obras raras, estudantes procurando livros técnicos, artistas, escritores, donas-de-casa e gente de todo naipe em busca de preciosidades a baixo custo, num lugar onde até mesmo relíquias têm status de novidade.
Dia destes, ao procurar por um volume de “O Profeta”, do anglo/indiano Gibran Kalil Gibran, sem encontrá-lo, acabei topando com um exemplar do “Rubayat”, obra poética do persa setecentista Omar Khayann. Meu dia de sorte. Ao retirá-lo da estante, ouvi quando o livro disse tchau! aos outros dois volumes que o ladeavam. Estes, responderam educadamente e até desejaram-lhe boa sorte. Nessa altura da crônica, julgo importante avisar que aqui neste espaço é permitido que os livros conversem entre si. Curioso com esse diálogo inusitado, permiti que eles proseassem ainda um pouco mais.
O primeiro deles, a “Odisséia”, de Homero, disse que por ser de uma edição antiga, já havia sido lido várias vezes e morou em uma biblioteca pública. Depois, por não ter sido devolvido, residiu por muito tempo numa coleção particular. Contou que enquanto era lido, aproveitava para ler o rosto de seus leitores. Parece que o mais interessante havia sido um professor de história ou literatura, já aposentado, que lia os versos comparando-os com outra edição, cujos textos eram em prosa. Seu semblante denunciava que ao estudar o passado do herói grego Ulysses, tentava entender nossa atual civilização caótica e desenfreada.
O segundo livro, era “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint Exupéry, por sua vez, narrou que leu poucos rostos até o momento. Tinha sido comprado como presente para um adolescente, mas o garoto era fissurado em jogos de vídeo e contentou-se em olhar apenas as figurinhas. Um ano mais tarde, teria sido lido pela irmã, que tencionava ser miss ou modelo. Pela expressão do rosto, a moçoila não havia captado muito bem as sutis mensagens e ensinamentos da obra do aviador francês que gostava de visitar Florianópolis. Mesmo assim foi uma experiência inesquecível, já que ela possuía um belo par de olhos esverdeados, duas gotas do Atlântico flutuando na superfície daquele semblante. Contou ainda que o mais marcante foi ter convivido com dois vizinhos famosos. De um lado, “Histórias Extraordinárias”, de Edgar Allan Poe, e do outro, nada menos que “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri. Ambos lhe davam calafrios, mas estava cercado por um pouco do melhor já produzido pela história da literatura.
Nesse ponto, eu já estava quase saindo do sebo, quando aqueles dois livros perguntaram ao meu “Rubayat” sobre suas leituras. Nosso amigo, com a voz um tanto romântica e meio embriagada de vinho, contou que até o momento havia sido lido, coincidentemente por três poetas. Acrescentou ainda, não sem certo orgulho, que o povo em geral ainda não descobriu tal preciosidade. Continuou, dizendo que no próprio sebo, durante os dois dias apenas em que ali ficou, fora vizinho de um exemplar autografado de “O Código das Águas”, de Lindolf Bell. Tal livro estava indignado por, mesmo com a assinatura do poeta, ter sido vendido para um sebo, ou melhor, foi trocado por umas revistas de auto-ajuda. Lembrava-se ainda da expressão emocionada do poeta ao fazer a dedicatória em sua página virgem. Depois dessa, os livros despediram-se cordialmente, e, pensativo, fui para casa.
Nessa noite, principiei a primeira leitura do “Rubayat”, mas não antes, como convém, de um oportuno beijo e de uma apropriada taça de vinho tinto.
www.tchello.art.br
Dia destes, ao procurar por um volume de “O Profeta”, do anglo/indiano Gibran Kalil Gibran, sem encontrá-lo, acabei topando com um exemplar do “Rubayat”, obra poética do persa setecentista Omar Khayann. Meu dia de sorte. Ao retirá-lo da estante, ouvi quando o livro disse tchau! aos outros dois volumes que o ladeavam. Estes, responderam educadamente e até desejaram-lhe boa sorte. Nessa altura da crônica, julgo importante avisar que aqui neste espaço é permitido que os livros conversem entre si. Curioso com esse diálogo inusitado, permiti que eles proseassem ainda um pouco mais.
O primeiro deles, a “Odisséia”, de Homero, disse que por ser de uma edição antiga, já havia sido lido várias vezes e morou em uma biblioteca pública. Depois, por não ter sido devolvido, residiu por muito tempo numa coleção particular. Contou que enquanto era lido, aproveitava para ler o rosto de seus leitores. Parece que o mais interessante havia sido um professor de história ou literatura, já aposentado, que lia os versos comparando-os com outra edição, cujos textos eram em prosa. Seu semblante denunciava que ao estudar o passado do herói grego Ulysses, tentava entender nossa atual civilização caótica e desenfreada.
O segundo livro, era “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint Exupéry, por sua vez, narrou que leu poucos rostos até o momento. Tinha sido comprado como presente para um adolescente, mas o garoto era fissurado em jogos de vídeo e contentou-se em olhar apenas as figurinhas. Um ano mais tarde, teria sido lido pela irmã, que tencionava ser miss ou modelo. Pela expressão do rosto, a moçoila não havia captado muito bem as sutis mensagens e ensinamentos da obra do aviador francês que gostava de visitar Florianópolis. Mesmo assim foi uma experiência inesquecível, já que ela possuía um belo par de olhos esverdeados, duas gotas do Atlântico flutuando na superfície daquele semblante. Contou ainda que o mais marcante foi ter convivido com dois vizinhos famosos. De um lado, “Histórias Extraordinárias”, de Edgar Allan Poe, e do outro, nada menos que “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri. Ambos lhe davam calafrios, mas estava cercado por um pouco do melhor já produzido pela história da literatura.
Nesse ponto, eu já estava quase saindo do sebo, quando aqueles dois livros perguntaram ao meu “Rubayat” sobre suas leituras. Nosso amigo, com a voz um tanto romântica e meio embriagada de vinho, contou que até o momento havia sido lido, coincidentemente por três poetas. Acrescentou ainda, não sem certo orgulho, que o povo em geral ainda não descobriu tal preciosidade. Continuou, dizendo que no próprio sebo, durante os dois dias apenas em que ali ficou, fora vizinho de um exemplar autografado de “O Código das Águas”, de Lindolf Bell. Tal livro estava indignado por, mesmo com a assinatura do poeta, ter sido vendido para um sebo, ou melhor, foi trocado por umas revistas de auto-ajuda. Lembrava-se ainda da expressão emocionada do poeta ao fazer a dedicatória em sua página virgem. Depois dessa, os livros despediram-se cordialmente, e, pensativo, fui para casa.
Nessa noite, principiei a primeira leitura do “Rubayat”, mas não antes, como convém, de um oportuno beijo e de uma apropriada taça de vinho tinto.
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