O CASO DO MENINO MILAGREIRO - Tchello d'Barros
O CASO DO MENINO MILAGREIRO
Tchello d’Barros
Pouca gente se lembra do menino milagreiro. Os mais antigos ainda conservam alguma lembrança dele. Há quem afirme que ele nem existiu mas tem gente que jura até que foi curada por ele. O fato é que naquela longínqua e chuvosa tarde de inverno ele ficou na janela da casa contemplando o espetáculo dos relâmpagos e trovões que a mãe natureza exibia gratuitamente. Ele disse que não haveria enchentes dessa vez.
Ninguém lhe deixou ir brincar na chuva, mas depois da tempestade, aproveitou a calmaria para ir brincar descalço na rua e ver os efeitos do toró. Não constatou nenhum dano nas árvores e casas, mas o aguaceiro formou uma corrente de água junto ao meio-fio da calçada, onde ele divertia-se chutando as ondinhas e observando a beleza das imagens abstratas que as manchas de óleo dos carros deixavam na superfície úmida do asfalto. O óleo em contato com a água formava alguns arco-íris coloridos, em desenhos que lembravam, flores, animais, rostos, anjos e estrelas. Lembrou-se então que outra substância produzia um efeito parecido. Um tanto traquinas, pulou o muro do vizinho e apanhou algumas bergamotas. Depois de deliciar-se com os gomos acridoces, foi até o campinho onde jogava bola com os colegas. O lugar estava todo inundado formando diversas poças d’água.
O menino milagreiro escolheu então uma poça arredondada, de cerca de meio metro de diâmetro e depois de reparar as nuvens cor de gelo no espelho da água, pegou alguns pedaços de cascas das bergamotas e passou a espremê-los, sobre as nuvens que apareciam no espelho. A casca esguicha minúsculos jatos do ácido contido em seus poros e ao entrar em contato com a água produz efeitos coloridos, semelhantes às manchas do óleo, semelhantes ao arco-íris, semelhantes aos quadros de arte psicodélica. As nuvens abriram então uma pequena janela para que até o sol pudesse espiar esse curioso ato mágico do petiz.
Divertia-se com isso o garoto quando lembrou-se de Tistu, o personagem de “O Menino do Dedo Verde”, o primeiro livro que havia lido. Gostava de Tistu pois onde ele tocava com o polegar, ali nascia alguma plantinha. Teve então a idéia de tocar de leve a superfície da água com a pontinha do polegar. Nada aconteceu. Mas depois de um minuto notou que as manchas pareciam mexer-se sozinhas. Viu então que os desenhos coloridos pareciam elevar-se em forma de vapor e aos poucos formavam feixes coloridos de luz, que como por encanto iam subindo lentamente, acima dos fios dos postes, da torre da igreja, da linha do horizonte.
Relatam os jornais da época que naquela tarde as pessoas saíram às ruas para ver o mais brilhante arco-íris que já aparecera nos céus da cidade. Os que olhavam para cima, para o sol, viam-no circundado por um halo de coloridas nuances. Quem chegava de fora percebia a imensa redoma, que pairava no céu abençoando a cidade. Contam os mais antigos que muitos perseguiram o arco-íris até o final e dizem até que acharam muito ouro. Só não souberam dizer onde nascia aquele cromático feixe de luzes.
Quanto ao menino milagreiro, ninguém lembra exatamente o que aconteceu com ele depois. Mas na velha biblioteca consta sua assinatura naquela tarde, quando um pouco antes de fechar, ele apareceu para pegar mais um livro.
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bom