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VELHO BATISTA: "ESSA FOI DE LASCAR!"

Meu pai tomava conta do prédio do mercado público, no bairro onde morávamos. Não sei bem a razão, mas o mercado não funcionava. Todos os compartimentos (chamávamos de quartinhos) estavam vazios. Então, meu pai começou a explorar os quartinhos e, primeiro, abriu uma mercearia, ampliou os negócios para açougue, peixaria e até carvoaria. Isso mesmo, um dos quartinhos era preto de carvão.

Mas, de todos os negócios em que meu pai investiu, o que mais me lembro era o boteco. Sim, também tinha um boteco junto a todo o resto e eu sabia de cor e salteado todos os fiéis frequentadores: Seu Américo, Pedro, Zé Ramos, Mestrão, TG, Cabeludo e tantos outros, além, é claro, do Velho Batista. Uma figuraça, grande boêmio, bom papo, bom violão e uma excelente voz. Foi na voz do velho batista e de seus inconfundíveis acordes que eu fui apresentado a “Cabocla”, “Boemia”, “Boneca de Trapo”, “Negue”, “Moça”, “Índia”, “O Ébrio”, “O Vagabundo” e por aí vai (peço desculpas se errei algum título).

Bem, além das músicas, também me lembro do bordão do velho boêmio: “essa foi de lascar!”. Qualquer coisa fora do comum, o Velho Batista saía com essa moda e todos caíam na gargalhada, pois a famosa frase, além de ganhar graça no jeito malando do Seu Batista (era assim que eu o chamava), sempre vinha precedida de uma pérola e o velho guerreiro tinha faro bom para excepcionalidades. Se alguém vinha com uma estória cabeluda, jurando ser verdade, o Velho Batista não se continha, parava o seu violão e mandava: “essa foi de lascar!”. E era aquela gozação.

A última vez que eu vi o Seu Batista, foi na praça D. Pedro II, em meados de 1984 e eu já não era mais a criança dos tempos do mercado público do meu pai, mas a admiração pelo velho seresteiro era a mesma. Dei-lhe um forte abraço e perguntei-lhe as novidades, o que fazia da vida e ele me disse que estava indo a Fernão Velho - local onde nascera - e me contou que havia entrado para o AA, pois estava decidido a parar de beber, mudar de vida, essas coisas, mas só agüentou 03 sessões e no final da última pegou o violão, uma garrafa de serra grande e uns pedaços de caju e, na pracinha do local, atacou de “boemiaaaaaa, aqui me tens de regresso...” e o pior, acompanhado da metade do pessoal do AA. Ao me contar a façanha, ele próprio não agüentou e com a sua inconfundível e franca gargalhada e total irreverência ao “politicamente correto”, emendou: “essa foi de lascar!”.

Esses dias, assistindo ao horário eleitoral gratuito, após todas aquelas promessas, santidades e conto do bom samaritano, inclusive o de um candidato que afirmou ser capaz de tirar suas próprias roupas em um dia frio de inverno, para vestir um pobre descamisado, não teve como não me lembrar do Velho Batista. Certamente, o inveterado boêmio baixaria o violão, daria uma trégua à boneca de trapo, passaria a mão espalmada sobre o seu grande nariz, como costumeiramente fazia, e teria mandado: “essa foi de lascar!”.

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Sander ESCRITO POR Sander Escritor
Maceió - AL

Membro desde Julho de 2012

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