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Chame-me de Jesus

Ir à Praia do Francês aos sábados era programa mais que sagrado para um casal de paulistas radicados em Maceió. Sentavam-se, relaxadamente, à beira do mar sob o guarda-sol de um restaurante – na verdade, uma barraca de praia - de uma família de conterrâneos, que, a despeito de torcer pelo São Paulo, oferecia tratamento vip ao casal corintiano. O marido, como de praxe, se regalava com seis cervejas, sempre servidas pelo mesmo garçom; era, igualmente, costumeiro prestigiar as iguarias dos ambulantes, cuidadosamente, eleitos em seus respectivos seguimentos: as patinhas de caranguejo do Seu José, o coquetel de abacaxi com leite condensado do Saci, o acarajé do Tatá, a ostra do Seu Severo, o queijinho na brasa da Dona Maria...

Durante um ano inteiro, considerando que a esposa ocupou os sábados nas aulas de pós-graduação, em psicologia organizacional, o marido passou a levar a sogra, que se sub-rogava no papel daquela, na condição de sua companhia; um exemplo um tanto quanto inusitado, a oferta de uma irrefutável prova de que o mito da sogra megera a ele não se aplica. Sua satisfação de fazer-se acompanhar da sogra era endossada pelo fato de tê-la como parceira na cerveja, enquanto a esposa, quando muito, suporta um coquetel de abacaxi, ainda assim, fazendo careta. No declínio do dia, ia buscar a amada e, naturalmente, contava-lhe das fofocas cambiadas com a sogra acerca dos praieiros passantes: o velho careca com a mulher 30 anos mais nova, a mulher que entrou na água com a bóia embutida na cintura, o pançudo que andava como um pato, o esquálido envergado... A esposa ficava encantada com tanta cumplicidade entre os seus dois amores – a mãe e o marido.

Certa feita fora apresentado à sogra de um amigo muito próximo, que já lhe havia alardeado a fama desta de levar uma cumbuca com bolo nos aniversários frequentados, sob o pretexto de fazer doação ao porteiro do prédio onde reside, em que pese sua compleição avantajada suscitar o descrédito dessa declaração – isso e outros fatos pitorescos. Aliás, quando esses dois se juntavam a sogra de ambos sempre era o mote das brincadeiras. Nesse mesmo ensejo, quando se comemorava o aniversário do filho e cunhado do amigo, a sogra deste olha para sua nora, então, vestida num macaquinho e suspira: “ai, ai, quando eu me lembro de que já coube num macaquinho desse...!” . Sem qualquer cerimônia, ele interveio: “se incomode não, Dona Fulana, a Senhora não cabe num macaquinho, mas pode usar um gorila”. Estariam eles sacramentando um desafeto ou um precedente hilário apto a selar uma estreita amizade?!

O amigo, por sua vez, já não conserva o hábito de passear com a sogra regularmente. Entretanto, comenta-se que no último sábado de 2010, a esposa dele lhe sugeriu que levassem a mãe para conhecer o filé siri na manteiga do Cadoz, com o quê assentira, dizendo: “fui convocado a fazer a última boa ação do ano e vou aproveitar a oportunidade”. O dia estava enfeitado com um céu de brigadeiro e o bom-humor, de consequência, era partilhado pelo amigo, sua esposa e a sogra. Aquele trilhava o percurso contando piada de sogra - mãe e filha riam com mais essa de suas tantas irreverências. Em certa altura da estradinha de barro de acesso ao povoado, a sogra, de súbito, pedira ao genro que parasse o carro e desse ré até encontrar com um cidadão vestido à guisa dos evangélicos.

“Seu Vicente, que surpresa fantástica o encontrar!” – foi o pronunciamento da sogra ao circunstante do local. “Dona Fulana... Meu Deus, há quanto tempo!!”. “Olhe meu genro, essa criatura foi o anjo que me fez vencer o medo de dirigir, sou-lhe eternamente grata por essa façanha”. O genro não vacilou em apresentar-se: “chame-me de Jesus, eis que carrego essa cruz nas costas”.

Simone Moura e Mendes                          

(Publicada em O Jornal, edição de 07/08/2012)

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Simone Moura e Mendes ESCRITO POR Simone Moura e Mendes Escritora
Maceió - AL

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