A MOSCA CACHACEIRA
Não mostrem esse conto para um especialista em moscologia, por favor. Ele vai dizer que pirei. O caso é sério! Era uma terça-feira. Dia estranho para se beber uma cerveja, mas, resolvi tomar uma. Antes, pedi uma destilada. O garçon, meio estranho, trouxe a derivada da cana e uma cerveja. Colocou as duas sobre a mesa. Olhei para a televisão ligada por alguns instantes, o suficiente para ver uma mosca sentada na borda do copo da envenenada. Com um gesto brusco, tentei afugentar a Aérea. Meu dedo tocou no copo e lá se foi o conteúdo alcoólico... Só por desaforo, pedi outra dose. Novamente olhei para a televisão e concentrei-me na política linda de nosso país. Quando fui pegar o copo da destilada, lá estava a mosca bebendo de novo. Mosca filha-de-uma-égua! Ameacei dar-lhe uma tapa, mas lembrei do copo que se foi anteriormente. Melhor deixar essa Excomungada beber à vontade... É. Foi exatamente isso que fiz: deixei a Miserável encher a cara e fiquei olhando... Queria saber se a Alada ficava bêbada. O noticiário de Severino veio ao ar. Mas eu queria ver aquela maldiçoada trôpega, bêbada. Ela olhava pra mim, e eu olhava pra ela. “Eu te pego!” — Pensei. Aí a televisão veio com a história do Maluf. Levantei a vista. Mas não podia descuidar da Cachaceira — que continava bebendo, entre saltos aéreos e pequenas sugadas. Maluf foi acusado mesmo de quê? Perdi a notícia inédita. A Ancestral, nem aí! Sugando devagarzinho a água-que-pinto-não-bebe. “Ela há de ficar bêbada e cair por terra!”, eis o meu desejo. Continuei na observação. Ela lá! Tô nem aí! Tô nem aí! Aí me mordi. Armei o dedo-maior-de-todos, engatei, calculei, verifiquei a mira, aproximei o dedo da Esvoaçante e... Dei uma catapultada, ou uma dedada potente. O copo foi à lona qual Tyson lá nos ringues estadunidenses. “Puta que pariu! Mosca filha-da-puta! Errei a Condenada de novo, aquela peste não merecia estar na Arca de Noé. Que critérios Noé usou na escolha dos bichos que haveriam de se salvar do Dilúvio? Por que será que ele resolveu colocar um casal de mosca na Arca? Nunca entendi essa questão tão científica.
— Garçon! — gritei — traz outra cachaça. O garçon trouxe. Eu queria desesperadamente ver aquela mosca pigunça voltar e tomar a última dose. Era muita safadeza eu, criado à imagem e semelhança de Deus, perder para a vagabunda de uma mosca . “E não é que ela voltou...”?
Sentou refesteladamente na borda do copo. Mas com um diferencial: ela voava meio zonza. O programa da televisão acabou, o dono do bar colocou um DVD, e eu olhando para a mosca. “Ela cai logo logo” — raciocinei. Eu estava na 2ª cerveja, e ela, pelos meus cálculos, tomara umas dez doses da derivada da cana. De repente, ela começou a pular desesperadamente na borda do copo entre pequenos vôos descoordenados. “Agora tu se lasca comigo!”— pensei. Aproximei a minha mão dela. Ela não reagiu. Concluí: “Lascou-se! Tá de porre!” É hora da vingança pelos dois copos que se foram. Armei o dedo-maior-de-todos de novo. Mirei, calculei, convoquei potência no dedo... “Diga adeus à vida, Famigerada”. Tasquei a dedada.
Era uma vez uma mosca pigunça...
O dono do bar ligou de novo a televisão no noticiário. Apareceu outra vez o Severino e compreendi que cometi uma grande injustiça com a pobre da mosca, pois ela me roubou apenas dois copos de cachaça em um restaurante barato. Enquanto o Severino... bem... deixem pra lá!
Erisvaldo Vieira
19/09/2005.
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