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Reais ou virtuais as previsões da vovó?

Por óbvias razões, agradece a Deus ter nascido numa época anterior à explosão da informática. Uma delas, e, talvez, a mais expressiva, é que não estaria a degustar das lembranças das cartinhas semanais com a avó materna, a partir de quando deixara sua terra natal – aos sete anos de idade. Essa experiência foi como um êmbolo, empurrando-lhe ao universo onírico das letras - aliás, a avó já vaticinara que ela seria uma escritora.

Era uma criança comum, visto que prezava jogar queimado, rouba-bandeira, polícia e ladrão, sete pecados, com os amigos daquela rua de barro - superdimensionada, na sua visão pueril; aquela que terminava no lendário “muro azul” – chegar até ele na possante bicicleta Monark, após tantas idealizações, fora-lhe uma prova de superação: era como se, a partir dali, pudesse chegar onde quisesse.  Ela não abdicava das peraltices de subir em árvores, muros e telhados. A despeito de preferir as tais brincadeiras, mais consentâneas com seu espírito irrequieto e arteiro, também, exercitava a face mãe com suas bonecas: ninava-lhes, fazia-lhes roupinhas; furava-lhes a boca e cortava-lhes a genitália para assistir ao expelir do chazinho que lhe administrava ao supor-lhes sentir cólicas - como podia, sabia imprimir tons de realismo ao seu mundo lúdico.  

Sua experiência como cronista da rua findara em quase catástrofe. Utilizava sua máquina Hermes para registrar os fatos que via ou corriam à boca miúda, entre esses figurava o da decrépita reputação da mocinha da esquina. Sua incúria, porém, quase lhe rendera uma sova da tal mocinha, eis que jogara os originais escritos à mão no lixo e uma vizinha, então desafeto, encontrou-os. Vertera, pois, tudo que sabia, mediante as provas materiais, inclusive, no ouvido da indigitada personagem. Todavia, guarda essa quase tragédia como lição: “fofocas”, comentários maledicentes foram riscados de sua conduta, sob a tese de que somente valeria a pena ser dito aquilo que trouxesse um fim útil, altruísta, à sociedade. Mas é claro que daquilo que não denigra a moral alheia, pode render uma piada, uma galhofinha inocente - o que seria da vida sem algo que produza boas risadas?

Além dessas peculiaridades comuns às crianças, ler era-lhe uma grande aventura. A irmã mais nova de sua mãe, sempre que surgia um feriado prolongado, estava em sua casa, no bairro do Pina. Eram sempre dias de muita alegria, pelo contato com aquele ente familiar querido e pelos passeios que costumavam fazer. Nesses passeios, que contemplavam restaurantes e barzinhos, ela, recém egressa da infância, estava a portar seu inseparável companheiro, o livro. Não fora alcunhada de “intelectual de axila”, pois que o lia de verdade, quando os assuntos dos adultos lhe enfastiavam, mas de “intelectual ambulante”, pela tia amada que, até hoje, não perde a piada. 

Diferentemente da juventude hodierna, que, quando muito, recorre aos resumos das obras que lhe serão cobradas nas tarefas escolares, encontrados na internet, ela lera grande parte dos livros da Coleção Vaga-lume – como olvidar “A Ilha Perdida”, de Maria José Dupré -; deleitava-se com o Pequeno Príncipe e com Polyana – a menina e a moça -, com O Menino do Dedo Verde; com José de Alencar, Graciliano Ramos, com as obras machadianas... Lembra que, em resposta à pergunta da professora de Português, na sala do 1º ano ginasial, (de acordo com a nomenclatura da época) aos dez anos: “quem ali já havia lido um livro inteiro?”. Ela respondera haver lido “O Profeta”, ciente, porém, de que nada havia entendido da mensagem de Kalhil Gibran - mas que lera, lera.  “Oh!”, reagira a mestra.  

Vê a internet como uma ferramenta a serviço do mal, para os que se alienam com os “nauns”, do “intertês”; contudo, facilitadora, um cosmo de oportunidades, para os que, por exemplo, por meio de seus tablets, mergulham nos E-boks.

Ela, a “intelectual ambulante”, por sua vez, ainda resiste em acreditar no vaticínio de sua avó. Não se fez escritora de profissão, mas como uma mera diletante, que respira um incentivo aqui, outro ali, num esforço diuturno de fazer reais as previsões de sua avó. É fato inconteste que sua última publicação está inserta em “Os Cronistas Internautas”, editado pela Editora Bagaço, organizado por Luiz Otávio Cavalcanti: alguém que, com a experiência do passado, projetou-se no presente ululante, unindo o virtual ao real. Aliás, eles, Luiz Otávio e Luiz Berto, não são Luízes quaisquer. São escultores, incentivadores das letras, reais e virtuais. São luzes, na verdade.

Reais ou virtuais as previsões da Vovó?

Simone Moura e Mendes

www.simonemouramendes.com

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Simone Moura e Mendes ESCRITO POR Simone Moura e Mendes Escritora
Maceió - AL

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