Na Cafeteria
Os dois homens andavam apressados pela rua. O mais novo ia à frente. Parecia atrasado, mas não estava. O mais velho tentava convencê-lo de algo:
__ Tu precisas contar.
__ Estás louco! Queira desculpar-me falar assim, eu sei que tu achas isso importante, mas eu não quero contar.
__ É importante.
__ Minha vida não vai mudar
__ Então! Não precisas agir só quando as coisas forem mudar. Além do mais, pode ser que a tua vida não mude, mas a vida dela será melhor se tu contares.
__ Eu não irei contar nada.
__ Penses que poderia ser tu.
__ Eu não iria querer saber.
__ Tudo bem, então faças com que ela saiba sem que precises contar.
__ Ela não precisa saber.
__ Como tu sabes?
__ Se mataria se soubesse.
__ Não é assim tão grave.
__ Vês, ela não precisa saber se não é assim tão grave.
__ Mas é importante para ela.
__ Ela sobreviverá sem saber.
__ Por favor, conte a ela.
__ Não sei pra quê. O que mudaria?
__ A vida dela seria mais fácil.
__ Não mudaria nada. A vida dela já é fácil.
__ Não brinque com isso. E pare de buscar mudanças em tudo.
__ Eu não estou brincando. Por que tu não contas?
__ Sabes que eu não posso.
__ Faça-me o favor, paremos de fazer drama com este assunto.
O homem mais novo abriu a porta da cafeteria e entrou. Pendurou o terno na cadeira e sentou-se. O mais velho fez o mesmo, sentando-se ao seu lado. A moça veio com um bloquinho de anotações e uma caneta com plumas.
__ O que desejam?
__ Tu precisas contar a ela.
__ Eu não contarei nada. Contas tu!
__ Contar o quê?
__ Ah moça, nos desculpe. Não é de vós que falamos.
__ Por favor, traga-nos dois cafés e dois pedaços de torta de maçã.
__ Sim, senhor.
__ Vês? Estás exagerando com esse negócio de contar isso ou aquilo. Eu não vou dizer nada.
__ Ah, por favor, sabes que minha vida depende disso.
__ Ah, então é isso? Sabia que se estavas tão preocupado é por que algo nessa história tem a ver contigo.
__ Sabes que eu a amo.
__ Então contes tu mesmo.
__ Não entendes? Ela me odiará para sempre se for eu a pessoa que lhe desvendar este segredo.
__ Então queres que ela me odeie?
__ Não seria o mesmo se tu contasses.
A garçonete voltou com uma bandeja. Arrumou tudo na mesa e perguntou ao homem mais velho:
__ Mais alguma coisa, senhor?
__ Não obrigado.
A moça saiu sorrindo. Os dois homens pareciam meio excêntricos para freqüentar aquele lugar tão calmo e sem graça.
__ E então? Contarás tudo ou não?
__ Não é assim tão fácil.
__ E por que não seria? É só tu chegares lá e contares o que viste. Que ingratidão tamanha é esta que não podes me fazer um favor?
__ Eu nem a conheço. Ela vai achar que estou interessado.
__ Nela? Oh, não, nem penses em tamanha asneira! És muito jovem. Ela tem preferências pelos mais experientes...
__ Como tu? Santo Deus, não me faças rir. Desde que mamãe faleceu nunca mais olhaste para mulher alguma! Quero dizer, até agora.
__ Meu coração sempre foi dela.
__ Da mamãe? Ou da...
__ Por favor, conte a ela!
__ Ela não irá querer um homem como tu.
__ Não é apenas por isto. Conte a ela e ao menos poderá viver
__ Será? Talvez ela se torne uma mulher triste e rancorosa. Poderá querer vingar-se.
__ Abres a boca e não se retira nada de que se aproveite!
__ Então é bobagem o que tenho a contar àquela senhora?
__ Estou enfadado de toda esta história.
__ Até que enfim!
__ Por favor...
Nesse momento, a mulher entrou na cafeteria. Chorava muito. Seu lenço estava encharcado. Sentou-se na cadeira numa mesa perto da porta e continuou a chorar. Tirou o chapéu e o pôs em cima da cadeira ao lado. Nem percebeu a presença dos dois homens à frente. A garçonete foi atendê-la e momentos depois trouxe uma xícara de chá. A cafeteria ficou perfumada com cheiro de canela. A mulher parou de chorar. Apenas olhava a xícara como se não a tivesse enxergando.
__ Ela já sabe.
__ Espero que sim. Assim não tenho que dizer-lhe. Poupa-me o trabalho... Por que não vais até lá consolá-la?
__ Eu? Ah, não. Ela me mandaria embora. Diria que não quer conversar. Sabes como uma mulher fica nesses momentos.
__ É, mas tu só vais saber se fores até lá.
Uma outra mulher entrou. Usava um vestido vermelho com rosas brancas. Tinha um lenço de seda na cabeça. Viu a outra de rosto inchado a olhar a xícara.
__ Oh, querida! Então já sabes de tudo?
__ Por que não contaram antes?
__ Não queríamos vê-la sofrendo, nesse estado.
__ Sofri muito mais durante todo esse tempo.
__ Estás vendo? Ela queria saber, deverias ter contado tudo a ela!
__ Ai, não! Vais começar tudo de novo, é?
As duas mulheres continuaram conversando num tom mais baixo. Os dois homens não puderam escutar mais nada. O mais velho chamou a garçonete e pagou a conta. A mulher finalmente o viu e também ao mais novo. Sorriu e continuou conversando com a amiga de vestido florido.
__ Ela não está tão mal.
__ Talvez eu deva falar com ela. Contar que já sabia de tudo.
__ Estás louco mesmo! É melhor deixar as coisas como estão. Vai ficar irritada contigo se disseres isto.
__ Tens razão.
__ Vamos embora.
__ Quero ficar aqui e apenas olhar para ela. Já te disse que a amo?
__ Não é a mim que deverias dizer.
__ Sei disso. Mas não consigo levantar-me e ir até lá. Ela vai pensar que sou um velho assanhado.
__ Ela vai achar que desististe de pensar na mamãe e ficará feliz de saber que gostas dela.
__ Será?
O homem mais novo levantou-se e o mais velho segui-o a mulher observou o mais novo sair e encarou o mais velho. Diante do olhar ainda úmido da mulher, ele não se conteve:
__ Eu já sabia.
__ Não tem mais importância.
__ Mas não quero que fiques chateada comigo.
__ Não há possibilidades de ficar chateada contigo.
O homem mais velho olhou-a intrigado. A mulher de vestido florido despediu-se da amiga e do homem e saiu. O homem mais novo ao ver o que acontecia lá dentro sentou-se na calçada, à espera.
__ Não entendo o que queres dizer.
__ Sei que não contastes antes por que não querias me ver sofrendo mais do que já sofria.
__ Fico feliz. Tinha medo que não quisesses nem mais olhar-me nos olhos.
__ Agora acabou e não quero mais pensar nisso. Preciso dizer uma coisa.
__ O quê?
__ Eu te amo muito. Aconteça o que acontecer.
__ ...
__ Eu sei que tu deves estar pensando que sou uma mulher muito assanhada, mas não posso mais esconder o que sinto. Precisa contar-lhe.
__ ...
__ Não me dizes nada?
__ Também a amo. Muito.
O homem mais novo cansado de esperar abriu a porta e entrou. O homem mais velho e a mulher beijavam-se. O homem mais novo voltou para a calçada e sentou-se novamente. Continuou a esperar.
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